sexta-feira, abril 20, 2007

Bem Vinda, Analú !



Há alguns anos, ainda solteiro e tendo passado pela experiência de tratar diariamente com algumas crianças da família, escrevi que nunca seria pai. O convívio com os pequenos primos, a gritaria, o barulho, as brigas, a putaria que eles tocavam enquanto eu tentava estudar, fizeram com que eu perdesse todo sentimento fraternal que tinha. Naquele ano de 2003 registrei a seguinte constatação:

“Contrariando qualquer evidência que possa denunciar meu ódio por crianças, declaro que gosto muito da presença infantil em minha casa. Com o simples acordo de que tenham data pra ir embora. Gosto dos pequenos, contanto que eles sejam alheios. Nunca serei pai, já está decidido”.

No mesmo ano de 2003, mês de dezembro, conheci a mulher com quem me casaria após seis meses. Passamos três anos decididos a não termos filhos, a não termos bundinha pra limpar, fralda pra trocar, choro pra acalentar e essas coisinhas que todo pai é obrigado a se submeter. Mas a vida traz mudanças acompanhadas ao furo da camisinha.

Há três dias veio ao mundo minha pequena Ana Luiza. Nasceu fazendo de mim um homem besta e babão, dengoso como nunca imaginaria que pudesse ficar. Como todo pai, peguei-me citando frases feitas do tipo “a coisa mais linda do mundo” e “ menininha do papai”. Ainda não cheguei ao extremo de fazer barulhinhos infantis como “bilú-bilú”, “nham nham nham nham” ou “thuthucothuco”, mas estou quase lá. Pode até parecer pieguismo, mas minha filha é a carinha de joelho mais formosa existente na face da Terra. E aquele joelhinho de cabelos macios já me fez trocar fralda, limpar cocô e ser golfado. Pior de tudo é que executo estas tarefas com um grande sorriso no rosto.

Mesmo com toda essa felicidade e essa mudança de perspectivas na minha vida, o nascimento de Ana Luiza provocou alguns acontecimentos que poderiam ser descritos como pouco prováveis. Principalmente por ter sido comemorado duas vezes.

Durante a madrugada do dia 18 de abril, Beatriz, minha mulher, teve contrações que mais pareciam um ataque epilético. No hospital, o médico fez os exames necessários à constatação de dilatação suficiente do útero para a ocorrência de um parto normal. Não havia alargamento mínimo. O maior medo de Beatriz era ter de passar por uma operação cesariana – forte, ela enfrentaria seu medo. E com muito brio.

Pelo fato da equipe ser reduzida no período da madrugada, o hospital apenas fazia interferências cirúrgicas consideradas urgentes. O fato de Beatriz urrar de dores feito uma avestruz botando ovo não foi visto pela equipe médica como urgência. Retornamos ao nosso lar e voltaríamos no período diurno.

Mesmo saindo de casa por volta do meio dia, chegamos novamente ao hospital às 15h30min, devido ao trânsito maravilhoso que a cidade de São Paulo proporciona aos seus habitantes. Depois de muita demora resolvendo questões financeiras, a internação foi liberada e minha companheira entrou na sala de cirurgia às 17h30min. Fiquei na sala de espera, preocupado, andando de um lado para outro e quase trombando em outros pais que também circulavam absortos, esperando notícias tranqüilizantes. Em minha companhia, minha tia-sogra (sim, sou casado com minha prima).

Eis que, depois de tanta espera, surge um enfermeiro. Um baixinho de barba rala e cara de fome. Uma esperança de receber informações surge em todos os pais, mas sou o primeiro a indagá-lo:

- Queria saber de Beatriz Xavier Nunes. Alguma notícia?
- Você é o pai da criança?
- Ela diz que sim. Eu confio nela, então devo ser.
- Já nasceu o bebê, está tudo bem com a mãe e a criança.

Eram 18h30min. Diante da notícia do nascimento da minha moleca, minhas pernas tomaram um impulso involuntário e eu gritei um “VIVA, NASCEU!” que foi seguido de um “PSIIIIU” feito pelas pessoas ao redor. Onde já se viu fazer algazarra em um hospital. Feliz feito uma gazela (que frase mais veada), liguei pra Deus e o mundo, na finalidade de espalhar a notícia.

Tal felicidade foi dando lugar a uma preocupação inquieta. Observara eu que as crianças que iam nascendo desciam para o berçário em menos de trinta minutos. Uma hora depois de receber a notícia do nascimento de minha filha, nenhuma criança passou pela sala de espera. Chamei uma enfermeira e perguntei se estava tudo bem com minhas mulheres. A resposta foi dada com precisão cirúrgica:

- Sua esposa está recebendo anestesia neste exato momento. Dentro de trinta minutos nascerá seu bebê.
- Mas um enfermeiro disse que minha filha já nasceu.
- Te passaram uma informação errada. Sinto muito.
- Porra! Já liguei pra todo mundo.
Talvez seja este o único nascimento da história da humanidade comemorado duas vezes. Se eu fosse jornalista, seria o primeiro a ter reportado uma notícia antes de ela ter acontecido. Seria um furo digno de nota. Como sou professor, tive que me contentar com a preocupação voltando ao âmago de minhas reflexões. Ana Luiza foi nascer apenas às 20h30min, aliviando temporariamente minha dor de cabeça. Refrigério interrompido pela péssima administração do hospital, que me vendeu um “plano apartamento” sem ter apartamento vago. Alojaram minha esposa na enfermaria. Depois de muito discutir – de forma diplomática e civilizada - o problema foi resolvido sob ameaças violentas de espancamento e morte. Tudo para curtir minha paternidade com privacidade e conforto, e poder receber as visitas com maior comodidade.

sexta-feira, abril 13, 2007

Estamos de Luto


Não acredito. Um dos melhores escritores que já li, que conseguia fazer rir sem apelar, e muito pouco conhecido em um Brasil afogado no mercado editorial de auto-ajuda, morreu nesta ultima terça feira, aos 84 anos. Kurt Vonnegut misturava ficção e autobiografia, ciência e literatura, resultando em obras muito malucas e extremamente engraçadas. O primeiro livro que degustei chama-se Pastelão ou Solitário, Nunca Mais. Foi seu cartão de visitas para que eu fosse atrás de maravilhas como Matadouro 5, Café da manhã dos Campeões e Um Homem Sem Pátria. Infelizmente, por aqui, o mestre tem sua obra pouco difundida, pois suas maluquices não são vistas com valor num país em que o número de leitores é capaz de caber dentro de uma Kombi velha. Somente achei nota do acontecido no Estadão.

Segredos Templários


Não há nada pior na literatura do que as modinhas que surgem no mercado editorial, superestimando livros desprovidos de qualidade artística. Tais títulos encabeçam as listas dos mais vendidos, espalhadas em publicações semanais e jornais impressos. Dessas listas, poucas são as obras que poderiam receber a qualificação de literatura. Uma destas modinhas caiu de vez no gosto dos leitores - são livros de capítulos curtos, ação permanente, informações históricas que revelam a ficção e, geralmente, a história se passa em apenas 24 horas. O mais notável deles é o Código Da Vinci, de Dan Bronw, que parece ser especialista neste estilo.
Até mesmo séries televisivas adotaram tal modelo: cada capítulo de Lost me deixa mais perdido que filho de prostituta em dia dos pais e fico me perguntando a que horas o detetive Jack Bauer, da série 24 horas, escova os dentes, toma banho, usa o banheiro, dorme ou se alimenta.
Tenho andado receoso com os lançamentos que lotam as prateleiras. É preciso fugir do impulso publicitário para ler algo que realmente valha a pena, que não siga modelos apenas vendáveis, mas escritos com preocupação e comprometimento artístico. Foi com tal desconfiança que comecei a ler O Último Templário, do escritor libanês Raymond Khoury. De cara feia, absorvi as informações da orelha do livro: Quatro homens vestidos de templários entram, montados a cavalo, na estréia de uma exposição intitulada Tesouros do Vaticano, num museu nova-iorquino. Desaparecem com objetos de valor e um codificador templário que pode revelar um segredo que certamente abalará os alicerces do cristianismo.
Não compraria o livro caso estivesse procurando algum nas estantes de uma livraria. Porém, como a prateleira em questão foi a mesa do escritório de meu pai, tomei-o de empréstimo e fiquei surpreso com cada uma das páginas. Ao contrário de Dan Bronw, Khoury não usa informações históricas como pretexto para uma falsa erudição. Apesar de descrever detalhes do surgimento da Igreja Católica e da Ordem dos Templários, da separação das três principais crenças existentes no mundo - que têm a mesma origem com Abraão, dos evangelhos que ficaram de fora da Bíblia por contraporem-se aos anseios da Igreja em seus primórdios, o texto demonstra uma cuidadosa pesquisa historiográfica bem costurada a uma ficção formidável. Dados que demonstram uma erudição que o autor realmente possui, relacionados com a imaginação de um grande escritor e não apenas informações soltas como barcos furados em alto mar. Ler Raymond Khoury é um prazer, principalmente, porque foge dos sucessos de venda do mercado editorial destinados àqueles que lêem Dan Bronw por não terem capacidade de apreciar um José Saramago.