segunda-feira, novembro 19, 2007

É Dando Que (não) Se Recebe...




A mulherada que rala e rola para ganhar a vida alugando seus corpos para homens que delas se aproveitam sexualmente não devem ter gostado da decisão da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, que rejeitou o projeto de lei propondo a regulamentação da prostituição no Brasil. De autoria do deputado Fernando Gabeira, a concepção do projeto tem inspiração no exemplo da Alemanha – país onde a prestação de serviços de natureza sexual é legalizada e as moças contribuem com a previdência social. Se aprovada, tal lei faria com que prostitutas tivessem carteira assinada e todos os benefícios trabalhistas assegurados.

A rejeição ao projeto de Gabeira talvez possa levar muitos a pensar que nossos parlamentares são uns caretas, conservadores e atrasados, como classificou o deputado Maurício Lessa, favorável ao projeto. Mas as coisas não são bem por aí.

É bem verdade que nosso parlamento seja composto, em sua maioria, por velhos dinossauros políticos de mentalidade tradicional, moralidade hipócrita e conservadorismos que recusem à condição de setores sociais marginalizados - como as prostitutas - um projeto favorável. As meninas se beneficiariam demais com a aprovação do projeto de Gabeira, que visa ampará-las dos abusos e violências a que são expostas, sem ter na lei qualquer garantia de proteção.

O leitor me pergunta então quais são os motivos que me colocam contrário a tal projeto. Por que é que defendi logo acima que a rejeição do projeto não é um simples tradicionalismo da política brasileira?

A proposta de lei do nobre deputado sugere, além da regulamentação do ofício, a revogação de três artigos do Código Penal: Art. 228 (favorecimento à prostituição), Art. 229 (casa de meretrício) e Art. 231(tráfico de mulheres). Em palavras claras, ficam liberadas as práticas da cafetinagem, os puteiros e o comércio do mulherio para a profissão sexual. É óbvio que, liberando a prostituição, não há motivos para penalizar quem a favorece. O equívoco de Gabeira está em suprimir do Código Penal o artigo 231, pois motivos não faltam para manter ilícito o tráfico de mulheres. Legalizar a comercialização e aliciamento de seres humanos é o único motivo que me faz contrário à ideação de Gabeira.

Não fosse este mero detalhe, o projeto teria minha adesão absoluta. Regulamentar a prostituição é uma forma de assistir as trabalhadoras do sexo e incluí-las nos direitos de qualquer trabalhador. É obvio que nenhuma mulher escolhe ser prostituta. O meretrício é uma disfunção social decorrente da falta de perspectivas financeiras, profissionais e educacionais causadas pela incapacidade de um governo em ofertar qualidade de vida a seu povo. A regulamentação desta profissão não resolverá problemas sociais complexos que levam muitas meninas a se venderem para sobreviver, mas ajuda a combater a exploração sexual de crianças e adolescentes.

A prostituição é uma atividade que a sociedade condena e mantém. Não haveria prostituição caso não houvesse quem por ela pagasse. A regulamentação apenas fará com que as moças possam trabalhar sem a marginalização a que estão relegadas. A prostituição existe e esta realidade tem de ser admitida, e não varrida para debaixo do tapete.

Como minha imaginação não dá trégua, uma situação logo vem à cabeça: caso o projeto seja um dia aprovado e uma prostituta infecta-se com alguma DST, ou mesmo Aids, seu caso poderá ser considerado, pela lei, como acidente de trabalho? Fica a dúvida.