terça-feira, dezembro 11, 2007

Crítica - Corações Sujos (Fernando Morais)


Existe, entre duas classes distintas de profissionais que se dispõe ao árduo ofício de resgatar um passado histórico, certa desavença que parece infindável. Historiadores e Jornalistas pelejam em forma de críticas. No bojo de tal discórdia, parece haver entre os historiadores um fiozinho de inveja devido ao grande número de vendas atingido pelos “homens de imprensa” no mercado editorial. Entre os livros que tratam de temas históricos, os escritos por jornalistas geralmente são os que habitam as listas dos mais vendidos. Historiador geralmente tem como leitor outros que compartilham da mesma profissão.

A crítica aos historiógrafos é a de que estes não sabem conduzir sua escrita de maneira fluente, que possa atrair o leitor leigo, conduzindo-o ao final do livro sem abandono da leitura. A objeção aos gazeteiros recai justamente na linguagem leve que muitas vezes simplifica processos e conceitos intrincados e problemáticos.

É o que ocorre com Corações Sujos, do jornalista Fernando Morais (Companhia das Letras – 348 páginas). De escrita fácil e fluente, o livro, como qualquer outro, deve ser lido com reflexões e ponderações.

Ao tratar da Shindo Renmei ou “Liga do caminho dos Súditos” - associação surgida dentro da colônia japonesa no Brasil em 1944 com o objetivo de preservar a cultura japonesa e a imagem do imperador Hiroíto - Morais retrata com êxito as dificuldades vividas por japoneses: restrições impostas pelo governo brasileiro às pessoas advindas de nações que faziam parte dos chamados Países do Eixo (Alemanha, Itália e Japão) durante a Segunda Guerra Mundial. Tal organização recusava-se a acreditar na rendição do Japão aos Países Aliados, passando a assassinar imigrantes japoneses que acreditassem na derrota nipônica.

A leitura das páginas de Corações Sujos passa ao leitor a impressão de que existe uma ingenuidade fanática presente nos japoneses que não aceitam a derrota de sua pátria, pois o Japão nunca havia perdido uma batalha sequer em toda sua História. O equívoco encontra-se no fato de o autor não localizar o sentimento patriótico destes imigrantes no contexto historiográfico a que está inserido.

No livro, todo esta conjuntura é didaticamente explicitada. Desde o contexto da guerra até a posição do governo de Getúlio Vargas de proibir a publicação de jornais nas línguas japonesa, italiana e alemã, assim como a proibição do ensino dessas línguas nas escolas e o uso delas em locais públicos. A comunidade nipônica, por preservar suas tradições culturais, não era, em sua maioria, falante do português. Isso significava uma verdadeira condenação ao silêncio e à desinformação. Porém, o autor não faz uma interpretação dos fatos apresentados, uma ligação destes ao sentimento de humilhação de perder uma guerra, extremamente arraigado na cultura japonesa.

Diante destas observações, friso a necessidade de que o leitor atente para a reflexão esquecida pelo autor no corpo de seu texto. Interpretar a existência da Shindo Renmei como uma seita de fanáticos movidos por uma fé cega no imperador Hiroíto é simplificar todo um movimento social e um processo histórico que envolve jogos políticos entre nações potentes e emergentes, e suas conseqüências para o cotidiano de segregação e posição social inferior do que convencionou-se chamar de Homem Comum.

3 comentários:

Pitty que Pariu disse...

Sensacional!

Adorei o comentário, crítica, resenha, enfim, não sei definir em que forma o post se encaixa. O que estou convicta é de que é muito pertinente. O mercado editorial está nas mãos dos jornalistas. E de fato são exímios atraidores de leitores. O que não quer dizer que são bons formadores de opinião, documentaristas ou mesmo propagadores de informações fidedignas e/ou relevantes.
O interessante é que o leitor tenha a consciência do que está consumindo. Não ler uma coisa por outra. Pessoalmente identifico a escrita de um jornalista logo nas primeiras páginas de um livro. A dica é, o jornalista é treinado para transformar notícia o que é extreordinário. Assim, ou ele se atém ao extraordinário, ou transforma o ordinário em extraordinário.

Anônimo disse...

Olha, por essa crítica já me deu muita vontade de ver o filme!

Parabéns, como sempre!

Beijão!

P.S.: Mudei de link!

Anônimo disse...

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